23/10/2010

Fome de alma...





Ela tinha fome. Muita.  

Uma fome de vida. De alma. As pessoas próximas se preocupavam..."O que tá havendo com você? Se abre comigo!" "Você precisa sair mais, arrumar um companheiro!", "Por que você não presta um concurso público? Você precisa se estabilizar!", "Amiga, sério, procura ajuda! Terapia pode ser ótimo pra você!" De tudo que falaram, só a última opção parecia razoável. Terapia ia fazê-la ter coragem para assumir sua verdadeira vontade: andar por aí, sem rumo certo, seguindo o fluxo, dizendo sim às oportunidades...

Você já sentiu, tanto tempo, uma fome que dói, que ela passa? Sabe como é o estômago se esquecer que estava com fome? Então...era assim que ela imaginava que estava a alma daquelas pessoas...esquecida da fome.
Não era o seu caso. Sua fome ainda doía fundo. Tão fundo que a atormentava. E como não tinha nada a perder (marido, filhos, emprego fixo) resolveu buscar alimento pra sua alma. Onde? Como começar?

Tinha algumas coisas em mente. Queria estar perto de Deus. Precisava de colo pra poder entender o vazio que a habitava...O lugar haveria de ser amplo, que desse a impressão de que o mundo não era só o que estava envolta dela. Era só comprar uma passagem e ir. Só isso! E foi. Foi pro mar.

Ela sempre quis conhecer o mar... conhecer de verdade! E conhecer o mar não é só fitá-lo, olhar aquela imensidão toda, tirar fotos e mais fotos e saber que é salgado. Isso ela já havia feito! Conhecer o mar é respirá-lo e saber o cheiro que tem...todinho! Fechar os olhos, sentada numa pedra ou na areia, abrir o peito e respirar fundo, além do limite, v-a-g-a-r-o-s-a-m-e-n-t-e...............fazendo o ar entrar trazendo toda a imagem pra dentro............É saber o som que faz quando tá bravo e quando tá manso. Quando tá com saudade da Lua e quando já se acostumou com ela. É contar o intervalo entre uma quebra de onda e outra. Ver poesia no cenário! Sentir a dança que o cabelo faz com o vento, sem se preocupar com o quanto vai ficar bagunçado...Ver exatamente os tons das cores que a água possui, o contraste com o céu e com a areia. Perceber o barulho do silêncio entre uma onda e outra. E isso ela descobriu só depois de horas sentada ali! Meio lerda essa nossa amiga? Talvez...

E assim decidiu que queria conhecer muitos mares! Muitas praias! De diferentes regiões do mundo! Só pra saber que diferença eles têm entre si...Passava os dias sentada, observando o grande mestre.
Depois de visitar tantas praias diferentes, em dois meses de viagem, ela percebeu uma coisa simples. Bem simples. O mar mudava de cor, de cheiro, as praias mudavam de areia, de vento...as ondas mudavam de altura, de força, de intervalo...mas o mar não mudava. Sempre dava a mesma sensação de estar em casa. Estar com Deus. Estar feliz...Estar em casa? Mas cadê o barulho da família? As amostras de carinho e preocupação que cada um tem com o outro? Cadê as coisinhas que irritam o dia a dia de quem convive junto? E as coisinhas que fazem a gente se sentir único e especial?

Saudade. Muita.

Era hora de voltar e reparar em tudo que não havia reparado antes. Olhar o cotidiano como quem olha o mar é uma forma de sentir Deus. Ela descobriu que Ele habita o dia a dia, as pequenas coisas, as diferenças entre elas...Ele habita dentro, fora e o caminho do meio. Já podia voltar pra casa, porque sabia que o mar estaria lá. De braços abertos! Esperando ser observado...todos os dias.




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2 comentários:

Anônimo disse...

"Olhar o cotidiando como quem olha o mar..." Perfeito!

E isso me fez lembrar de uma frase que li a uns dias atrás:

"Não se pode contemplar sem paixão. Quem contempla desapaixonadamente, não contempla" (Jorge Luis Borges).

Renata Galvão disse...

Jerônimo, seus comentários sempre trazem um complemento interessante pra idéia! Obrigada, amigo!